Abstract:
RESUMO O registro do conhecimento e do uso de espécies vegetais pelos povos nativos nos mais diversos países ao redor do mundo têm demonstrado a importância que o meio ambiente tem para essas comunidades, associando-se à necessidade de preservação desse conhecimento. No Brasil, o estado do Piauí era um dos únicos no qual acreditava-se não haver presença indígena na atualidade. No entanto, dados do Censo 2022 evidenciam a presença indígena em 157 cidades piauienses, sendo a maioria residente em áreas urbanas. Até o ano de 2023, não havia na literatura registros de pesquisas etnobiológicas com índios no Piauí. Neste contexto, o presente trabalho apresenta como problemáticas centrais: (i) os indígenas Gueguê e Tabajara-Tapuio ainda apresentam conhecimento tradicional sobre uso de espécies vegetais, bem como sobre práticas próprias da agricultura? (ii) há diferenças significativas entre o conhecimento etnobotânico entre os indígenas Gueguê e Tabajara-Tapuio? Em conexão com estas questões, foram estabelecidas as seguintes hipóteses: (i) os indígenas Gueguê e Tabajara-Tapuio possuem saberes tradicionais sobre o uso das plantas; (ii) os indígenas Gueguê e Tabajara-Tapuio são detentores de conhecimentos sobre práticas próprias realizadas na agricultura; (iii) existem diferenças significativas nos saberes sobre o uso de plantas entre os Gueguê e os Tabajara-Tapuio. Objetivou-se realizar um estudo etnobiológico com remanescentes indígenas dos grupos Gueguê e Tabajara-Tapuio envolvendo o conhecimento sobre espécies de plantas existentes no seu entorno e suas formas de uso. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo CEP, CONEP e SisGen. Para coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com auxílio de formulário, lista livre e turnês-guiadas. As espécies citadas foram coletadas, herborizadas e incorporadas ao acervo do Herbário Graziela Barroso (TEPB) da Universidade Federal do Piauí (Teresina, Piauí, Brasil). A identificação foi feita por comparação com o material já depositado no TEPB e com o auxílio de especialistas. Para análise dos dados, foram calculados o Valor de Importância, Fator de Consenso do Informante e o Índice de Saliência Cultural. Foram entrevistados dez indígenas Gueguê e 123 indígenas Tabajara-Tapuio. No que tange às plantas de uso agrícola, os entrevistados de ambas as etnias citaram 32 espécies cultivadas em suas roças ou quintas, havendo um alto grau de similaridade entre as espécies citadas pelos dois grupos. As roças eram do tipo capoeira ou coivara. Os entrevistados citaram que até a década de 1980 as ações de pragas eram raras e tinham como principais formas de combate mecanismos naturais de combate a insetos e rezas. Em relação aos conhecimentos etnobotânicos, os Gueguê citaram 58 espécies vegetais, distribuídas em 30 famílias botânicas enquadradas nas categorias alimentícia, medicinal e ornamental. Entre os Tabajara-Tapuio, foram mencionadas 168 espécies vegetais que englobam as categorias medicinal, alimentícia, ornamental, místico-religioso, lúdico, construção, combustível, alimentação animal e uso veterinário. Em relação aos conhecimentos etnobotânicos, a análise de similaridade demonstrou baixo grau de espécies similares em ambas as comunidades. O impacto da urbanização dos Gueguê pode ser observado na redução do conhecimento etnobotânico apresentado por este povo. Esperamos que este trabalho auxilie na valorização dos povos indígenas (sobretudo no estado do Piauí), bem como de sua cultura e territórios.
ABSTRACT
The record of knowledge and use of plant species by native people in the most diverse
countries around the world has demonstrated the importance of the environment for these
communities, as well as the need to preserve this knowledge. In Brazil, the state of Piauí
was one of the few in the country where indigenous people were thought to be absent, but
recent data from the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística indicate otherwise:
indigenous people were found in 89 cities in Piauí state, most living in urban areas. Until
the year 2023, there were no records of ethnobiological research with indigenous people
in Piauí. Thus, the present work explores the following central question: (i) do the Gueguê
and Tabajara-Tapuio indigenous people still have traditional knowledge about the use of
plant species and agricultural practices? (ii) are there significant differences in the
ethnobotanical knowledge of the Gueguê and Tabajara-Tapuio indigenous peoples? In
connection with these questions, we had the following hypotheses: (i) the Gueguê and
Tabajara-Tapuio indigenous peoples have traditional knowledge about the use of plants
and about their own agricultural practices; (ii) there are significant differences in the
knowledge of plant use between the Gueguê and the Tabajara-Tapuio people. The
objective was to carry out an ethnobiological study with the Gueguê and Tabajara-Tapuio
groups regarding the knowledge about plant species in their surroundings and their proper
uses. The research was submitted and approved by CEP, CONEP and SisGen. Semi-structured interviews using a form, a free list, and guided tours were conducted for data
collection. The cited species were collected, herborized and incorporated into the
collection of the Graziela Barroso Herbarium (TEPB) of the Federal University of Piauí
(Teresina, Piauí, Brazil). The identification was made through the comparison with
material deposited at TEPB and examination by specialists. For data analysis, the
Importance Value < Informant Consensus Factor and the Cultural Salience Index were
calculated. Ten Gueguê people and 123 Tabajara-Tapuio people were interviewed.
Regarding species for agricultural use, the respondents of the two ethnic groups cited 32
species planted in their gardens or farms, and there was a high degree of similarity in the
species cited by them. Swiddens were of the capoeira or coivara type. The interviewees
mentioned that until the 1980s, pests were rare and the main ways of combating them
were the use of natural mechanisms to eliminate insects and prayers. Regarding
ethnobotanical knowledge, the Gueguê people mentioned 58 plant species distributed in
30 families in the food, medicinal and ornamental categories. Among the Tabajara-Tapuio people, 168 plant species were identified in the medicinal, food, ornamental,
mystical-religious, recreational, construction, fuel, animal feed, and veterinary use
categories. The analysis of similarity showed a low similarity of species between the
communities. The impact of urbanization on the Gueguê people was evidenced in the
lower ethnobotanical knowledge observed. It is hoped that this work will help in the
development of public policies aimed at the appreciation of indigenous people (especially
in the state of Piauí), their culture and territories.