Abstract:
RESUMO: Niketche: uma história de poligamia, romance da autora moçambicana Paulina Chiziane, que constitui-se como corpus desta pesquisa, é um romance narrado em primeira pessoa pela personagem Rami, uma mulher que vive em um contexto pós-colonial em uma sociedade patriarcal que relega à mulher uma posição de subalternidade pontuada pelo binarismo social de gênero que hierarquiza as diferenças sociais entre homem e mulher. No romance, apesar do contexto social, percebe-se uma quebra de paradigmas quando as mulheres, representadas e lideradas pela protagonista Rami, tomam consciência de seu estado de subalternidade e procuram compreender melhor as tradições e o contexto poligâmico da sociedade em que estão inseridas culminando em uma possibilidade de fala e reconstrução identitária. O objetivo geral desta pesquisa é investigar o lugar de enunciação e a possibilidade de fala da mulher subalterna no romance. Como objetivos específicos pretende-se relatar sobre a percepção de Paulina Chiziane em relação ao feminino em Moçambique; Examinar algumas tradições moçambicanas presentes no romance e o seu grau de cumplicidade para a subalternidade da mulher; Investigar como Paulina Chiziane através da personagem Rami e demais personagens femininas, possibilita um espaço onde a mulher tenha voz e possa ser ouvida; E por fim, investigar como a troca de conhecimentos por meio de um processo dialógico culmina em uma possibilidade de fala e (re)construção identitária das mulheres subalternas. Faz-se, dessa forma, os seguintes questionamentos: de que forma o fazer literário exerce o papel social no sentido de propiciar espaços de manifestação de vozes subalternas? Como Chiziane coloca um olhar diferenciado para o problema da mulher subalterna, que muitas vezes não encontra formas de se fazer ouvir? De que maneira a autora possibilita a fala da mulher subalterna e como a mesma pode re(construir) sua identidade no espaço social moçambicano? Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico no campo da crítica literária com diálogo interdisciplinar com a História, Sociologia e Antropologia. Para as análises foram empreendidos os pressupostos dos teóricos de Bourdieu (2014) e Saffioti (1987) para se falar sobre as relações de dominação do homem sobre a mulher; Spivak (2010), Beverley (2004) e Rodriguez (2000), para se preconizar sobre o conceito de subalternidade; Said (2005) sobre representação do intelectual; dos conceitos teóricos de Leite (2014) sobre oralidade; de Bakhtin (2002) sobre diálogo e alteridade; de Castells (1999) e Hall (2005, 2014) sobre identidade; dentre outros pesquisadores. Baseada nesses pressupostos, tendo como corpus o romance de Paulina Chiziane, nesta pesquisa interessa falar da subalternidade feminina em relação ao gênero masculino no espaço territorial moçambicano. Como conclusão, percebe-se que: algumas tradições moçambicanas contribuem para colocar a mulher em posição de subalternidade em relação ao homem; apesar do contexto social, a mulher, representada no romance, consegue (re)construir sua identidade e superar alguns dos obstáculos que a ela são impostos pelo patriarcalismo dominante. O romance aponta para uma possibilidade de fala e (re)construção identitária da mulher subalterna, que consegue sobressair-se e ter voz mesmo em um contexto social patriarcal como o moçambicano. ABSTRACT: Niketche: a history of polygamy, novel by the Mozambican author Paulina Chiziane, which constitutes the corpus of this research, is narrated in first person by the character Rami, a woman who lives in a postcolonial and patriarchal society, which relegates to women a subordinate position marked by a social binarism of gender that hierarchizes social differences between men and women. Despite the social context, it is possible to perceive in the novel a break of paradigms, when women, represented and led by the protagonist Rami, become aware of their state of subalternity and seek a better understanding of traditions and of the polygamous society in which they live, culminating in a possibility of speech and identity reconstruction for those women. The general objective of this research is to investigate the place of enunciation and the possibility of speech of subaltern women in the novel. As specific objectives, I intend to report on the perception of Paulina Chiziane in relation to women in Mozambique; to examine some Mozambican traditions present in the novel and how they contribute women's subordination; to investigate how Paulina Chiziane, through Rami and other female characters, provides a space where women have a voice and can be heard; finally, to investigate how the exchange of knowledge among those women, through a dialogic process, culminates in a possibility of speech and of identity (re)construction for subaltern women. I work with the following questions: how is literature socially important for providing spaces of expression for subaltern voices? How does Chiziane put a different look at the problem of the subaltern woman, who often does not find ways to make herself heard? How does the author make possible the speech of the subaltern woman and how could she (re)construct her identity in the Mozambican social space? This is a qualitative research of a bibliographic character in the field of literary criticism with interdisciplinary dialogue with History, Sociology, and Anthropology. For the analyzes of the novel, I made use specially of theoretical assumptions elaborated by Bourdieu (2014) and Saffioti (1987), to talk about the domination of men over women; Spivak (2010), Beverley (2004), and Rodriguez (2000), to discuss the conception of subalternity; Said (2005), to understand the representation of the intellectual; Leite (2014), to debate about orality; Bakhtin (2002), to examine the notions of dialogue and otherness; and Castells (1999) and Hall (2005, 2014), to deal with the notion of identity. It was possible to perceive that some Mozambican traditions contribute to place women in a position of subalternity in relation to men, and that, despite their social context, women represented in the novel are able to overcome some of the obstacles imposed on them by the dominant patriarchal regime. The novel points to the possibility of speech and identity (re)construction of subaltern women, who demonstrate to be able to express themselves, even in a patriarchal social context like that of Mozambique.