Abstract:
RESUMO
Introdução: A endocardite infecciosa (EI) é uma condição que pode ser causada pela
bacteremia transitória induzida por procedimentos odontológicos invasivos em
indivíduos com certas doenças cardíacas. Os estreptococos que colonizam a
cavidade bucal estão entre os principais causadores dessa condição, sendo a
amoxicilina (AMX) o antibiótico padrão para sua prevenção. No entanto, seu uso
indiscriminado tem ocasionado a detecção de cepas de estreptococos resistentes à
amoxicilina (ER-AMX) colonizando a cavidade oral, inclusive em crianças. Objetivo:
Determinar a prevalência de estreptococos com resistência à amoxicilina na cavidade
oral de crianças com doenças cardíacas que as tornam susceptíveis à EI. Métodos:
Trata-se de um estudo observacional transversal com uma amostra consecutiva de
crianças atendidas em um hospital público, aprovado pelo CEP-UFPI com o nº
2.654.176. Após aplicação de questionário sobre uso de antibióticos pelas crianças,
foram coletadas amostras de saliva e biofilme dental, e a condição de saúde bucal
das crianças foi avaliada por uma avaliadora calibrada (kappa=0,78), utilizando os
índices: ceo-d/CPO-D e pufa/PUFA. No laboratório, utilizou-se o meio seletivo para
estreptococos ágar Mitis salivarius suplementado com AMX, para o isolamento inicial
das cepas com resistência. Com colônias isoladas, seguiu-se com os testes da
catalase e coloração de Gram, para a presunção do gênero. O método de
microdiluição em caldo em placas de 96 poços foi empregado para determinar a
concentração inibitória mínima (CIM) da AMX e de um antibiótico controle, a
ceftriaxona (CEFTR). Também foi realizado o antibiograma pela técnica disco-difusão
para os antibióticos: ampicilina (2 e 10 mcg) e ampicilina + sulbactan (20 mcg). Para
a realização dos testes descritos e conferência dos perfis de resistências, foram
consultadas as seguintes diretrizes: CLSI (Clinical Laboratory Standard Institute) e
BrCAST (Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing). Também foi
realizada uma análise estatística por meio do teste exato de Fischer com nível de
significância de 95%, no qual se procurou associação entre a presença de bactérias
resistentes com as seguintes variáveis: sexo, idade, número de tomadas de
antibióticos no último ano, índice ceo-d/CPO-D e índice pufa/PUFA. Resultados:
Trinta e cinco pacientes pediátricos com média de idade de 4 anos, com doenças
cardíacas foram examinados. A condição cardiológica mais prevalente foi o defeito do
septo ventricular (42,86%). A principal razão que levava as crianças a tomar
antibióticos foi relatada como “dor de garganta”. Dentre as crianças, 68,57% nunca
tinham ido ao dentista. O índice ceo-d/CPO-D médio foi de 2,25 e 40% das crianças
necessitaram de tratamento restaurador devido a doença cárie. O índice pufa/PUFA
foi maior ou igual a 1 para treze crianças avaliadas (37,14%), indicando necessidade
de tratamento odontológico possivelmente invasivo. Dentre a amostra avaliada, 6
crianças (17,14%) possuíam ER-AMX em suas bocas e 14 (40,00%) apresentaram
cepas com resistência intermediária a esse antibiótico. Assim, totalizou-se 20 crianças
(prevalência de 57,14%) portando cepas de estreptococos com algum nível de
resistência à AMX em suas bocas. A maior CIM da AMX para duas das cepas isoladas
foi de 16 µg/ml, uma concentração muito alta considerando que um valor de CIM≤0,5 µg/ml está relacionado à sensibilidade a este antibiótico. Entre as cepas selecionadas,
4 crianças (11,42%) não foram sensíveis à CEFTR. O antibiograma mostrou que as
cepas resistentes à AMX ou ampicilina não eram sensíveis quando do uso desses
antibióticos associados à inibidores de betalactamases, inferindo que o mecanismo
de resistência pode não estar vinculado à produção dessas enzimas pelas bactérias.
Não houve relação significativa entre a presença de bactérias com resistência à AMX
e as variáveis analisadas, exceto para a relação com o índice pufa/ PUFA (p=0,027).
Conclusão: Existe uma alta prevalência de crianças portando estreptococos com
algum nível de resistência à AMX em suas bocas. Este pioneiro estudo brasileiro
destaca a necessidade de uma maior atenção a esse grupo, que permanece com risco
de acometimento de EI após tratamentos odontológicos invasivos, mesmo sob o uso
prévio de AMX.
ABSTRACT
Introduction: Infectious endocarditis (IE) is a condition that can be caused by transient
bacteremia induced by invasive dental procedures in individuals with certain heart
diseases. Streptococci colonizing the oral cavity are among the main culprits of this
condition, with amoxicillin (AMX) being the standard antibiotic for its prevention.
However, the indiscriminate use of AMX has led to the detection of amoxicillin-resistant
streptococcal strains (AMX-RS) colonizing the oral cavity, even in children. Objective:
To determine the prevalence of ER-AMX in the mouths of children with heart diseases
that make them susceptible to IE. Methods: This is a cross-sectional observational
study with a consecutive sample of children treated at a public hospital, approved by
the CEP-UFPI (#2.654.176). After applying a questionnaire focus on the use of
antibiotics by the children, saliva and dental biofilm samples were collected, and the
children's oral health condition was evaluated by a calibrated examiner using the
indices dmft/DMFT and pufa/PUFA. In the laboratory, a selective medium for
streptococci, Mitis salivarius agar supplemented with AMX, was used for the initial
isolation of resistant strains. After isolating colonies, catalase and Gram staining tests
were performed for genus presumption. The microdilution method in 96-well plates was
employed to determine the minimum inhibitory concentration (MIC) of AMX and a
control antibiotic, ceftriaxone (CEFTR). The antibiogram was also performed using the
disk diffusion technique for the following antibiotics: ampicillin (2 e 10 mcg) and
ampicillin + sulbactam (20 mcg). The following guidelines were consulted for
conducting the tests and confirming resistance profiles: CLSI (Clinical Laboratory
Standard Institute) and BrCAST (Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility
Testing). Statistical analysis was performed using Fischer's exact test with a
significance level of 95% to investigate associations between the presence of resistant
bacteria and the following variables: gender, age, number of antibiotic courses taken
in the last year, dmft/DMFT index, and pufa/PUFA index. Results: Thirty-five pediatric
patients with heart diseases were examined. The most prevalent cardiac condition was
ventricular septal defect (42,86%). The main reason for antibiotic use among children
was reported as "sore throat." Among the children, 68.57% had never visited the
dentist. The mean dmft/DMFT index was 2.25, and 40% of the children required
restorative treatment due to dental caries. The pufa/PUFA index was equal to or
greater than 1 for thirteen evaluated children (37.14%), indicating a need for possibly
invasive dental treatment. Among the evaluated sample, 6 children (17.14%) harbored
AMX-RS in their mouths, and 14 (40.00%) had strains with intermediate resistance to
this antibiotic. Thus, a total of 20 children (prevalence of 57.14%) carried strains of
streptococci with some level of AMX resistance in their mouths. The highest MIC of
AMX for two of the isolated strains was 16 µg/mL, a very high concentration
considering that a CIM≤0.5 µg/mL is related to sensitivity to this antibiotic Among the
selected strains, 4 children (11.42%) were not sensitive to CEFTR. The antibiogram
showed that strains resistant to AMX or ampicillin were not sensitive when these
antibiotics were used in combination with beta-lactamase inhibitors, suggesting that
the resistance mechanism may not be linked to the production of these enzymes by the bacteria. There was no significant relationship between the presence of AMXresistant
bacteria and the analyzed variables, except in relation to the pufa/PUFA index
(p=0.027). Conclusion: There is a high prevalence of children harboring streptococci
with some level of AMX resistance in their mouths. This pioneering Brazilian study
highlights the need for greater attention to this group, which remains at risk of
developing IE after invasive dental treatments, even under the previous use of AMX.